quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Amar, amor







         "Onde não puderes amar,

              não te demores." 


 Frida Khalo

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Abre teu coração

"Abre teu coração e não tenhas medo que o rasguem.
Os corações rasgados podem se curar.
Os corações protegidos, no entanto, acabam transformados em pedra."
Penelope Stokes 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Humano, demasiado humano

"A grande liberação, para aqueles atados dessa forma, vem súbita como um tremor de terra: a jovem alma é sacudida, arrebatada, arrancada de um golpe – ela própria não entende o que se passa. Um ímpeto ou impulso a governa e domina; uma vontade, um anseio se agita, de curiosidade por um mundo indescoberto flameja e lhe inflama os sentidos. “Melhor morrer do que viver aqui, esse “em casa” é tudo o que ela amara até então! Um súbito horror e suspeita daquilo que amava, um clarão de desprezo pelo que chamava “dever”, um rebelde, arbitrário, vulcânico anseio de viagem, de exílio, afastamento, esfriamento, enregelamento, sobriedade, um ódio ao amor, talvez um gesto e olhar profanador para trás, para onde até então amava e adorava, talvez um rubor de vergonha pelo que acabava de fazer, e ao mesmo tempo uma alegria por faze-lo, um ébrio, íntimo, alegre tremor, no qual se revela uma vitória – uma vitória? Sobre o quê? Sobre quem? Enigmática, plena de questões, questionável, mas primeira vitória:- tais coisas ruins e penosas pertencem à história da grande liberação. Ela simultaneamente uma doença que pode destruir o homem, essa primeira erupção de vontade e força de autodeterminação, de determinação própria dos valores, essa vontade de livrevontade: (...)" p. 9 - § 3

Nietzsche, F.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Transformação

"A transformação implica um certo espaço para o não saber, pois transformar-se é ser capaz de abrir mão do que se sabe, de deixar de ser aquele que sabe para experimentar o desconhecido."

Rocha, Silvia P. Velloso

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Igual mas singular. A si mesmo

"se olharmos com a maior atenção os 7 bilhões de humanos que vivem na Terra nesse instante não temos a mínima condição de dizer que haja alguém que seja absolutamente igual a um outro. 

Ao contrário. 

Há sempre um detalhe que faz uma diferença de tal ordem que podemos dizer que há 7 bilhões de singularidades, por mais que todos sejam muito repetidos em relação ao outro. 

Ou mais, podemos dizer que mesmo um desses únicos à medida que vai caminhando no viver será singular em relação a si mesmo, pois os detalhes no seu viver e suas conformações como território existencial vão mudando a todo momento. 




O único são vários."





Merhy, Feuerwerker e Cerqueira

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Naffah Neto - o singular, único que se realiza através da experiência humana em seu devir próprio

Como diria Winnicott – independentemente da linha teórica considerada –, um analista acolhedor e não intrusivo é fundamental e determinante para o bom resultado de qualquer análise

ele me respondeu que a função de qualquer análise não é produzir cópias do analista, mas indivíduos
autônomos, capazes de escolher o seu próprio rumo

Afinal, talvez, as mudanças de direção mais significativas na nossa vida obedeçam a imperativos de outra ordem, que nada têm a ver com a razão consciente, mas com uma articulação entre as oportunidades
oferecidas pelo acaso e nossos conflitos mais escondidos, quiçá inconscientes.

Proposta de Winnicott é a de uma psicanálise da singularidade: trata-se de uma sensibilidade especial para olhar e valorizar aquilo que, desde o nascimento, cada ser humano tem de próprio, singular, inalienavelmente seu.

(...) gesto espontâneo ou criatividade (...) A interação entre essa criatividade primária do
bebê e o seu ambiente acolhedor produz experiência, a noção mais fundamental
a todo o pensamento de Winnicott

domingo, 4 de agosto de 2013

Devia ter errado mais

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos

Letra Epitáfio - Titãs


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Pai e mãe - solidários - criam filhos para serem livres

A boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária com o passar do tempo. Várias vezes ouvi de um amigo psicanalista essa frase, e ela sempre me soou estranha.

Chegou a hora de reprimir de vez o impulso natural materno de querer colocar a cria embaixo da asa, protegida de todos os erros, tristezas e perigos. Uma batalha hercúlea, confesso. Quando começo a esmorecer na luta para controlar a super-mãe que todas temos dentro de nós, lembro logo da frase, hoje absolutamente clara.
Se eu fiz o meu trabalho direito, tenho que me tornar desnecessária.


Antes que alguma mãe apressada me acuse de desamor, explico o que significa isso.
Ser “desnecessária” é não deixar que o amor incondicional de
mãe, que sempre existirá, provoque vício e dependência nos filhos,
como uma droga, a ponto de eles não conseguirem ser autônomos,
confiantes e independentes. Prontos para traçar seu rumo, fazer suas escolhas, superar suas frustrações e cometer os próprios erros
também. A cada fase da vida, vamos cortando e refazendo o cordão
umbilical. A cada nova fase, uma nova perda é um novo ganho, para os
dois lados, mãe e filho. Porque o amor é um processo de libertação permanente e esse
vínculo não pára de se transformar ao longo da vida. Até o dia em que os filhos se tornam adultos, constituem a própria família e recomeçam o ciclo. O que eles precisam é ter certeza de que estamos lá, firmes, na concordância ou na divergência, no sucesso ou no fracasso, com o peito aberto para o aconchego, o abraço apertado, o conforto nas horas difíceis.


Pai e mãe - solidários - criam filhos para serem livres. Esse é o maior desafio e a principal missão.
Ao aprendermos a ser “desnecessários”, nos transformamos em porto seguro para quando eles decidirem atracar. 


"Dê a quem você Ama :
- Asas para voar...
- Raízes para voltar...
- Motivos para ficar... " - Dalai Lama"

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Poder ... relações de poder


a mentalidade da época era que o poder eliminava a
prática da liberdade, mas ele estava convencido do contrário, ou seja,
nenhum discurso é capaz de atingir sua liberdade, pois cada indivíduo é
senhor da liberdade e, consequentemente, pode administrá-la como
desejar.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Procura-se Janaina - documentário

Abandonada aos cinco meses de idade, Janaína viveu na Febem nos anos 80. Até onde há registros da vida da garota, ela nunca chegou a ser adotada.

"Qual terá sido o destino de uma criança negra, pobre, órfã, e, além de tudo, autista?", indaga Chnaiderman, no projeto do documentário, premiado em concurso do programa Rumos Itaú Cultural.

Para a cineasta, "falar de Janaína é contar a história da Febem, do Estatuto da Criança e do Adolescente", que passou a vigorar em 1990, quando Janaína tinha 10 anos de idade.

Com sua equipe, Chnaiderman vasculhou os arquivos depositados no Núcleo de Documentação do Adolescente (Febem) e os de outras instituições onde Janaína esteve. "Em nossa busca, vamos sabendo que Janaína respondia bem aos tratamentos que foi recebendo. Mas eles eram interrompidos. As instituições onde era atendida foram acabando, algumas falindo. Ou seja, Janaína foi passando por vários abandonos", afirma.

http://www.youtube.com/watch?v=j-F6-AgLyYs

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Repensar o pensamento

"Nossos pensamentos se encerram em si próprios, não sabemos fazer paredes vivas e permeáveis e erguemos paredes inteiras.

Temos medo da mudança, temos medo da desordem, temos medo de complexidades.
Precisamos de modelos.
Vivemos em estado de guerra"

"É permitido trânsito entre animalidade e humanidade"

"Acontece uma coisa dramática: cada vez mais nós somos quem já fomos" (...) "PRECISAMOS DE ALGO MAIS sistêmico para vencer essa prisão, questionar o mundo que dizem que é nós mas que não nos pertence"
"Aldeia no sentido deste pequeno lugar onde nós nos reinventamos"

Palestra: Repensar o pensamento

quarta-feira, 3 de abril de 2013

De deslocar-se até o outro


Tive assim, no decorrer da vida, muitos contatos com muita gente séria.

Vivi muito no meio das pessoas grandes.

Vi-as muito de perto.


Isso não melhorou, de modo algum, a minha antiga opinião.



Quando encontrava uma que me parecia um pouco lúcida, fazia com ela a experiência do meu desenho número 1, que sempre conservei comigo.


Mas queria saber se ela era verdadeiramente compreensiva. 



Mas respondia sempre: « É um chapéu ».

Então eu não lhe falava nem de jibóias, nem de florestas virgens, nem de estrelas.

Punha-me ao seu alcance. Falava-lhe de bridge, de golfe, de política, de gravatas.

E a pessoa grande ficava encantada de conhecer um homem tão razoável... 


domingo, 17 de março de 2013

Saber Cuidar

Ethos: (sentido originário grego) significa a toca do animal ou casa humana; aquela porção do mundo que reservamos para organizar, cuidar e fazer o nosso habitat.


De que ethos precisamos? Daquele que se opõe à falta de cuidado, ao descuido, ao descaso e ao abandono?

O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.

* A importância essencial do cuidado para Martin Heidegger (1889-1976) em seu famoso Ser e Tempo: "Do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano, o que sempre significa dizer que ele se acha em toda atitude e situação de fato".

Significa reconhecer  o cuidado como um modo-de-ser essencial, sempre presente e irredutível à outra realidade anterior. É uma dimensão fontal [relativo a fonte], originária, ontológica, impossível de ser totalmente desvirtuada.

Um modo-de-ser não é um novo ser. É a maneira do próprio ser de estruturar-se e dar-se a conhecer. O cuidado entra na constituição do ser humano. Sem o cuidado ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado, desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo e destruir o que estiver à sua volta.

Por isso o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana (que responde à pergunta: o que é ser humano?). O cuidado há de estar presente em tudo. Nas palavras de Martin Heidegger: "cuidado significa um fenômeno ontológico-existencial básico". Traduzindo: um fenômeno que é a base possibilitadora da existência humana enquanto humana. p.34

* Homem = húmus = terra fértil.

O autor fala dos mitos e conta a fábula-mito do cuidado - fábula de Higino.

(...) Os mitos não têm autor. Pertencem à sabedoria comum da humanidade, conservada pelo inconsciente coletivo sob a forma de grandes símbolos, de arquétipos e de figuras exemplares. Ilumina caminhos e inspira práticas.

A fim de explorar a significação do mito... falando de Júpiter (masculino), Terra (feminino) e Saturno...


(...) a linguagem consagrada da Psicologia científica vigente representa, em boa parte, um insulto à alma porque, na elaboração de seus instrumentos de análise, deixa de fora as energias poderosas, verdadeiros deuses e deusas que habitam a profundidade humana, as imagens e os símbolos. Preferem os conceitos abstratos, extraídos de um paradigma que privilegia a física e a mecânica. Devemos, pois, saber combinar inteligência instrumental-analítica, donde nos vem o rigor científico, com inteligência emocional-cordial, donde derivam as imagens e os mitos. p.37

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No paleolítico (2,7 milhões a 10 mil anos A.C - Idade da Pedra Lascada - muito frio, viviam em cavernas, culto à mulher pelo poder de dar a vida) esta percepção de que somos Terra constitui experiência-matriz da humanidade. Ela produziu uma espiritualidade (de uma profunda união cósmica e de uma conexão orgânica com todos os elementos como expressões do Todo) e uma política (as instituições matriarcais - as mulheres formavam os eixos organizadores da sociedade - sociedades sacrais, perpassadas de reverência, de enternecimento e de proteção à vida). Até hoje carregamos a memória desta experiência da Terra-Mãe, na forma de arquétipos e de uma insaciável nostalgia por integração, inscrita nos nossos próprios genes). p.77



A partir do neolítico (temperatura mais amena, início da agricultura, domesticação animal e da natureza, em geral, primeiras organizações sociais e instituições políticas, primeiras escritas - que deram início às primeiras civilizações) começaram a predominar os valores do masculino, fundando uma nova política. Os homens assumiram a hegemonia (supremacia) da sociedade. Instauraram o patriarcado com o submetimento da mulher e a dominação sobre a natureza. A perda da re-ligação de tudo com tudo é fruto da cultura patriarcal que não integrou as contribuições anteriores do matriarcado. Ela subjaz nas nossas principais instituições políticas e religiosas atuais. E mostra seus limites perigosos no descuido com o planeta Terra, na falta de cuidado com a vida em todas as suas formas e no incremento dos conflitos nas relações sociais.

A dimensão Saturno - no reino de Saturno deuses e homens/mulheres conviviam em suprema integração, paz, justiça benquerença. É uma utopia. Mas só utopia?


Uma sociedade não pode viver sem utopia, não pode deixar de projetar seus sonho nem desistir de buscá-los dia após dia. Ou imperariam os interesses menores, se chafurdariam no pântano de uma história sem esperança. p.81

Mas a utopia não pode ser utopista - aí, se torna fuga irresponsável ou pura fantasia. A utopia precisa de tempo, de processo (histórico) para dar corpo ao sonho; passo a passo os mil passos; espera, superação de obstáculos e trabalho de construção.  O ser humano vive distendido entre a utopia e a história. Ele está no tempo onde as duas se encontram. p.82

Como tornar possível essa síntese entre céu-terra/utopia-história? Como mantê-la viva, fecunda e sempre atraente? É aqui que invocamos o cuidado. O cuidado é o caminho histórico-utópico da síntese possível à nossa finitude. Por isso é o ethos fundamental, a chave decifradora do humano e de suas virtualidades.

Extraído de "Saber Cuidar" - Boff, Leonardo

sexta-feira, 1 de março de 2013

Maldade


Como pode haver tanto mal no mundo?


Conhecendo a humanidade, me admiro é que não haja mais.



Woody Allen, Hannah e suas irmãs

Desobedeça


Desobedeça

Quando o biólogo chileno Humberto Maturana Romesin afirmou, no final dos anos 80, que relações hierárquicas, relações de subordinação, que exigem obediência, baseiam-se na negação do outro e que essas relações não podem ser consideradas relações propriamente sociais, alguns acadêmicos e bem-pensantes e, sobretudo, aqueles que se tinham por indivíduos muito “sérios” e “responsáveis”, ficaram meio escandalizados.
Como assim? – perguntavam, indignados. Pois pensavam que, caso tais idéias heterodoxas (e perigosas) vicejassem, seria o caos!
E a coisa piorou um pouco quando ele, Maturana, duas décadas depois, ousou declarar que o liderazgo (a liderança), o xodó das teorias empresariais que floresceram nos anos 90, não era uma idéia nada boa, posto que “el liderazgo requiere que los liderados abandonen su propia autonomía reflexiva y se dejen guiar por otro confiando o sometiéndose a sus directrices o deseos...” (1).
Mas o fato que até agora ainda não tivemos coragem de derivar todas as conseqüências dessas impactantes constatações de Maturana e desenvolvê-las no contexto da transição de uma sociedade hierárquica, que tende a fenecer, para uma florescente sociedade em rede, diante da emergência de múltiplos mundos altamente conectados de forma cada vez mais distribuída. Embora anunciador de uma visão pioneira sobre redes (que qualificou como “redes de conversações”), Maturana não reestruturou seu pensamento sob o influxo das visões contemporâneas inspiradas pela nova ciência das redes. Cabe a nós, que investigamos o assunto, dar continuidade aos seus insightsgeniais à luz da teoria e da prática de redes, quer dizer, do netweaving.
Sim, netweaving. Se você quer mesmo aprender a “fazer” redes, então sua primeira “prova” é: desobedeça! Aprenda a desobedecer! Um netweaver é, por definição, um desobediente. Porque é alguém que, criativamente, caminha fora dos trilhos já estabelecidos por alguém.
Mas a quem você deve desobedecer?
Ora, a todos que querem obrigá-lo a obedecer. Em especial aos agentes de um velho mundo hierárquico e autocrático cujos alicerces já estão apodrecendo, mas que continua, resilientemente, a nos assombrar. Dentre tais agentes, que são muitos, merecem ser destacados aqui: os ensinadores, os codificadores de doutrinas, os aprisionadores de corpos, os construtores de pirâmides, os fabricantes de guerras e os condutores de rebanhos.
DESOBEDEÇA aos ensinadores, que dizer, à burocracia privatizadora do conhecimento: aquela casta sacerdotal que constitui as escolas e academias. Essas instituições geraram e continuam gerando um tipo curioso de agente que proliferou na modernidade: o colecionador de diplomas, que julga as outras pessoas pela sua capacidade de se enquadrar nos processos de ensinagem em vez de avaliá-las pela sua capacidade de aprendizagem. Os diplomas são, então, um reconhecimento e uma validação do conhecimento ensinado e não do conhecimento aprendido. Tendo perdido o monopólio do conhecimento (se é que algum dia tiveram-no) as universidades tentam ainda reter em suas mãos o que lhes restou: o monopólio dos diplomas.
Há também os que – por fora dos sistemas formais de ensino - se intitulam (ou são por alguém intitulados) mestres. Alguns são ordenados para tanto, quer dizer, têm reconhecida, sempre por uma organização hierárquica, sua capacidade de reproduzir uma determinada ordem top down. E querem então imprimi-lo, emprenhá-lo, ou seja, enxertar suas idéias-implante em você, para que você se torne também um transmissor desse “vírus”.
Desobedeça a esses caras. Aprenda o que você quiser, quando quiser e do jeito que você quiser. Aprenda com seus amigos. E compartilhe o que aprendeu com quem você quiser, gerando mais conhecimento. Guarde seus conhecimentos nos seus amigos, não na cabeça dos professores; nem nas instituições que sobrevivem trancando o conhecimento e estabelecendo caminhos obrigatórios, cheios de barreiras e permissões, para dificultar-lhe o acesso; ou, ainda, nos livros submetidos à normas odiosas de copyright. Conhecimento trancado apodrece.
E não siga mestres de qualquer tipo: todos somos aprendentes. ‘Quando o “mestre” está preparado o discípulo desaparece’, quer dizer, ele não precisa mais da muleta chamada “discípulo”: pode se tornar, por si mesmo e em interação com outras pessoas, um aprendente, livre... e tão ignorante como todos nós. Mas enquanto eles estiverem pensando em conquistar discípulos, fuja dos “mestres”!
DESOBEDEÇA aos codificadores de doutrinas, que são todos aqueles que querem pavimentar, com as suas crenças religiosas (e sempre o são, mesmo quando se declaram laicas), uma estrada para o futuro. Eles produzem narrativas ideológicas totalizantes para que você veja o mundo a partir da sua ótica, quer dizer, para que você não veja os múltiplos mundos existentes, mas apenas um mundo (o mundo arquitetado e administrado por eles: uma prisão para a sua imaginação).
Quando são (explicitamente) religiosos, os codificadores de doutrinas fornecem a justificativa para a ereção de igrejas e seitas. Quando são políticos, urdem a base conceitual para a formação de correntes e grupos de opinião onde a (livre) opinião propriamente dita não conta para quase nada: o que conta é a ortodoxia de uma opinião oficial ou canônica, a qual tentam autenticar apelando para a revelação ou para a ciência. Em todos os casos são engenheiros meméticos, manipuladores de idéias que inventam passado para legitimar certos caminhos (e deslegitimar outros) para o futuro. Fazem isso para controlar o seu futuro, para levá-lo (a sua alma ou o seu corpo) para algum lugar supostamente melhor, para um paraíso no céu ou na terra, quando, eles mesmos, não podem conhecer tal caminho (simplesmente porque não existe um caminho).
Desobedeça a essa gente. Não entre em suas armações, não replique seus discursos: pense com sua própria cabeça. Ria dos seus vaticínios e ameaças e ponha-se fora do alcance de suas patrulhas. Saia dos trilhos que eles assentaram, escape das valetas (os pré-cursos) que eles cavaram para fazer escorrer por elas as coisas que ainda virão. Recuse tudo isso: faça o seu próprio caminho.
DESOBEDEÇA aos aprisionadores de corpos, que não contentes em usar, comprar ou alugar, sua inteligência humana (que não tem preço), querem também mantê-lo cativo, fisicamente, nos seus prédios ou cercados. São feitores: antes usavam o chicote; hoje usam o relógio ou o livro de ponto, o crachá magnético ou o banco de horas. Nas empresas ou organizações hierárquicas, sejam privadas ou públicas, seqüestram seu corpo para manter você por perto, para poder vigiá-lo, para terem certeza de que você está de fato trabalhando para eles (que coisa, heim?). Não precisavam fazer isso se o seu objetivo fosse o de articular um trabalho coletivo compartilhado. Mas o objetivo deles não é, na verdade, compartilhar nada com outros seres humanos e sim controlá-los-e-comandá-los, em certo sentido desumanizá-los, embotando sua inteligência, castrando sua criatividade, alquebrando sua vontade, para poder usá-los como objetos, para terem-nos disponíveis, sempre à mão, tantas horas por dia: querem um rebanho de servos de prontidão para lhes fazer as vontades. Se quisessem que as pessoas trabalhassem com-eles e nãopara-eles não seria necessário – na imensa maioria dos casos – aprisionar os seus corpos: bastaria estabelecer uma agenda conjunta, com tarefas e prazos.
Desobedeça a esse pessoal. Monte seu próprio empreendimento individual ou coletivo compartilhado, empresarial ou social. Corra atrás do seu próprio sonho ao invés de servir de instrumento para realizar o sonho alheio. Sim, você é capaz. A evolução investiu quatro bilhões de anos desenvolvendo seu hardware, que é igualzinho ao daquele cara esperto que quer capturá-lo e aprisioná-lo e que ainda por cima tem a desfaçatez de alegar que está fazendo um bem para a humanidade por lhe oferecer um emprego.
DESOBEDEÇA aos construtores de pirâmides, que são os que erigem organizações hierárquicas de todo tipo para mandar nos outros e obrigá-los a fazer (ou deixar de fazer) coisas contra a sua vontade ou sem o seu consentimento ou assentimento ativo. Desobedecer significa também abrir mão de mandar. Você é capturado pelo jogo perverso da obediência quando quer que as pessoas lhe obedeçam.
Desobedeça a esses chefes, em primeiro lugar, cortando o barato daquele “construtorzinho de pirâmide” que mora aí dentro de você: não faça patotas, não erija igrejinhas. Sim, é muito difícil resistir à tentação de juntar “os seus” e separá-los dos “ dos outros”, mas – para quem quer fazer redes – é absolutamente necessário. E, sobretudo, abra mão de querer mandar nos outros. Em vez de arquitetar organizações tradicionais, a partir de organogramas centralizados, para realizar qualquer projeto ou trabalho, teça redes: quase tudo que se organizou até agora de forma hierárquica (com estrutura centralizada) pode ser organizado em forma de rede (com estrutura distribuída); menos, é claro, os sistemas de comando-e-controle.
Em segundo lugar, nunca se enquadre docemente em sistemas de comando-e-controle. Se for obrigado a tanto para sobreviver, por um período (que não pode ser muito longo, do contrário você estará bloqueando seu desenvolvimento humano), faça-o resignadamente, mas sempre resistindo. Isso significa: não se curve a seu chefe, não lhe faça as vontades, vamos dizer assim, tão solicitamente. Não seja tão prestativo, subserviente, serviçal. Não caminhe um quilômetro a mais para agradá-lo. Não fique na penumbra, recuado, servindo de escada para ele subir ou se destacar. Não faça o jogo.
DESOBEDEÇA aos fabricantes de guerras, que são, stricto sensu, os chefes militares e, lato sensu, os que pervertem a política como arte da guerra e os que se entregam à competição adversarial tendo como objetivo destruir seus concorrentes. São, todos, predadores. O predador é uma máquina de converter o semelhante em inimigo. Mas é preciso considerar que não existem inimigos naturais ou permanentes: toda inimizade é circunstancial e pode ser desconstituída pela aceitação do outro no próprio espaço de vida, pelo acolhimento, pelo diálogo, pela cooperação. Assim, o (único) inimigo que existe mesmo é o fazedor de inimigos.
Na civilização patriarcal e guerreira viramos seres cindidos interiormente. O predador é um produto dessa quebra da unidade sinérgica do simbionte (que poderemos ser no futuro, se anteciparmos esse futuro). Preda porque quer recuperar, devorando, suas contrapartes, num ritual antropofágico em busca da unidade perdida (aquela origem que é o alvo, para usar a expressão de Karl Kraus). É por isso que nos apegamos tanto à guerra do bem contra o mal. Mas o problema, como disse Schmookler, é que o recurso da guerra é em si o mal (2).
Desobedeça a esses hierarcas. Recuse-se a entrar em organizações militares ou para-militares de qualquer tipo. Recuse-se a entrar em qualquer organização política de combate, que pregue que o bem só será alcançado com a destruição do mal. Recuse-se a olhar o diferente como adversário em princípio: em princípio todo ser humano é um potencial parceiro de outro ser humano, não um inimigo.
Recuse-se a construir inimigos. Recuse-se a entrar em organizações que elegem inimigos para ser eliminados, física, econômica, psicológica ou politicamente. A ética do netweaver é uma ética do simbionte, não do predador. Adote um comportamento pazeante para não cair na armadilha de travar uma guerra contra o mal, pois, assim procedendo, você mesmo estará gerando o mal ao construir inimigos em vez de fazer amigos, quer dizer, de fazer redes.
DESOBEDEÇA aos condutores de rebanhos, que são, em geral, os líderes que alcançaram popularidade pelobroadcasting para guiar as massas. Algumas vezes esses líderes são carismáticos e se dedicam a mesmerizar multidões em comícios, reuniões e manifestações. Ou pela TV e pelo rádio. Quase sempre são pessoas “pesadas”, que usam sua gravitatem em benefício próprio ou de um grupo, para reter em suas mãos o poder pelo maior tempo que for possível, transformando os outros em seus satélites. E odeiam os princípios de rotatividade ou alternância democrática. Considere que, do ponto de vista social (ou coletivo, da rede), o modo intransitivo de fluição que gera o fenômeno da popularidade do líder de massas é uma sociopatia.
O liderancismo é uma praga que vem contaminando as organizações de todos os setores: segundo tal ideologia, a liderança só é boa se não puder ser exercida por todos, só por alguns. Assim, não se deve estimular a multi-liderança, senão afirmar a precedência da mono-liderança, do líder providencial e permanente, a prevalência do mesmo líder em todos os assuntos e atividades, como se essa – a liderança – fosse uma qualidade rara, de origem genética ou fruto de uma unção extra-humana.
Desobedeça a esses líderes. Não os siga para parte alguma. Não se deixe conduzir, ser puxado pelo nariz ou guiado pelo cabresto como se fosse uma cavalgadura. Não existem guias geniais dos povos. Nos sistemas representativos, as pessoas que você elegeu são seus empregados (mandatados pelos eleitores), não seus patrões.
Arrebanhamentos e assembleísmos são o contrário da interação humanizante entre as pessoas: transformam gente em gado, em contingente moldável e manipulável. Pule para fora desse curral. Aparte-se desse rebanho. “Inclua-se fora” dessas listas de excluídos que ficam olhando para cima de boca aberta, esperando pelas benesses de um salvador (pois o simples fato de pertencer a elas já é um indicador de exclusão, quer dizer, de incapacidade de pensar por si mesmo e de andar com as próprias pernas). Toda pessoa, se estiver disposta a desobedecer, será um alguém (com nome reconhecido) fora da massa, não apenas um número em uma estatística. Toda pessoa que desobedece, em um mundo ainda infestado por organizações hierárquicas, é um ponto fora da curva: alguém único, singular, insubstituível como você.
Isto posto, é tudo.
Mas ainda resta tratar das objeções dos bem-pensantes e dos indivíduos que se levam muito a sério e que se acham responsáveis.
VOCÊ DEVE DESOBEDECER ÀS LEIS?
De uma maneira geral, você nunca deve obedecer a pessoas, sejam elas quais forem. Dizendo de uma forma ainda mais ampla: você nunca deve obedecer a nenhuma individualidade portadora de vontade, real ou imaginária, humana ou extra-humana, seja ela qual for.
Freqüentemente surge uma objeção: mas se as pessoas não obedecerem às normas da vida civilizada será o caos. Por isso, todos devem respeitar as leis.
Será mesmo? Depende. Você não deve, por certo, romper com os pactos livremente celebrados por uma sociedade e que foram transformados em leis em um processo democrático.
Dizer que a democracia é o império da lei significa dizer que ela não é o império de pessoas. Obedecer às leis significa, então, não-obedecer a pessoas. Mas isso depende do processo que fabricou as leis.
Você não tem obrigação moral de obedecer às leis das ditaduras. Assim, leis de exceção podem ser desobedecidas. Por princípio, elas não têm qualquer legitimidade.
A legitimidade é o resultado da confluência de vários critérios democráticos: a liberdade, a publicidade, a eletividade, a rotatividade (ou alternância), a legalidade e a institucionalidade. Sim, não basta alguém ter sido eleito para ter legitimidade.
Tais critérios – ou alguns deles – são violados não somente pelas ditaduras clássicas, mas também por protoditaduras e, ainda, se bem que em menor escala, por democracias parasitadas por regimes manipuladores.
Você mesmo avaliará até onde vão as normas estabelecidas por processos que violam os critérios acima. Se achar que violam, desobedeça-as. E esteja preparado para arcar com as conseqüências, é claro.
Um princípio geral da ética do simbionte poderia ser: o único objetivo realmente humano (e humanizante) das leis é assegurar a convivência pacífica das pessoas em uma sociedade.
VOCÊ DEVE DESOBEDECER AOS DIRIGENTES DAS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS A QUE PERTENCE?
Eis aqui outra questão recorrente. Liminarmente, você não deve pertencer a organizações que não tomam a democracia como um valor.
Ora, com exceção das leis democraticamente aprovadas, a democracia não pode aceitar que alguém faça alguma coisa que não quer ou deixe de fazer alguma coisa que quer em virtude de sanção ou ameaça de sanção proveniente de instância hierárquica. Portanto, respeitado o pacto de convivência, é legítima a desobediência política e ninguém é obrigado a acatar uma decisão com a qual não concorde ou mesmo concordando não queira acatar, por medo de sanção, ainda que tal decisão tenha sido tomada por maioria. Obediência nada tem a ver com colaboração, que pressupõe adesão voluntária, seja por concordância, seja por resultado de convencimento ou por livre assentimento.
Assim, em coletivos políticos de adesão voluntária, nenhum tipo de disciplina deve ser imposto e nenhum tipo de obediência deve ser exigida dos participantes, além daquelas às regras a que voluntariamente aderiram. Nenhum tipo de sanção pode ser imposta aos participantes, nem mesmo em virtude do descumprimento das regras a que voluntariamente aderiram. Todos têm o direito de não acatar decisões.
Ordem, hierarquia, disciplina e obediência, vigilância (ou patrulha) e punição; e fidelidade imposta top down, são virtudes de sistemas autocráticos. Nada disso tem a ver com a democracia. Quanto mais autocrática for uma organização, mais ela insistirá na exaltação de tais “virtudes”. As razões para isso são tão claras que dispensariam comentários. Todas as organizações não-estatais e não baseadas em contratos (de trabalho ou de prestação de serviços) são (ou deveriam ser) constituídas por adesão voluntária. Em organizações voluntárias, “obedece” (ou melhor, acata) quem concorda. Querer exigir disciplina e obediência em relações sociais (stricto sensu) é um absurdo. Impor sanções para quem não obedece é uma violência e, como tal, um comportamento antidemocrático.
Organizações que visem chegar à (ou praticar a) democracia (no sentido “forte” do conceito), não podem se organizar autocraticamente para atingir seus fins. Não existe caminho para a democracia a não ser a democratização contínua das relações; ou, parafraseando Mohandas Ghandi, não existe caminho para a democracia: a democracia é o caminho...
VOCÊ DEVE DESOBEDECER AOS SEUS PATRÕES?
Outra objeção freqüente diz respeito à obediência àquele que paga o seu salário: como você pode não-obedecer aos seus patrões se tem que sobreviver?
Uma boa regra geral seria: nunca trabalhe para alguém e sim com alguém. Todas as coisas podem ser feitas em parceria. A obediência não é necessária.
Mas é você quem decide. Quanto mais você trabalha para alguém, menos alguém você é. O espírito de liberdade é a fonte de toda criatividade! Para sentir esse sopro criador só há uma via: desobedeça!
Você não concorda e querem que você faça assim mesmo? Desobedeça! Uma pessoa (qualquer pessoa, em especial, a sua pessoa) vale muito mais do que a bosta de um emprego.
É preciso considerar que a organização piramidal trabalha para o cume. Ou, dizendo de outro modo, a organização centralizada trabalha para o centro, para o chefe, para o líder. E as pessoas que trabalham em geral não aparecem, pois seu papel precípuo é o de fazer o chefe aparecer (ou ficar com o crédito por todas as realizações, inclusive por aquelas alcançadas pelo seu esforço e pela sua inteligência). Aí o chefe fica contente e mantém tais pessoas nas suas funções (empregadas ou contratadas). Se o chefe ficar muito contente com o resultado, pode até retribuir com uma promoção do "colaborador" que lhe fez tão bem as vontades.
Ocorre que quando um conjunto de pessoas aplica seus talentos para promover uma atividade, todas as pessoas devem aparecer. Para quê? Ora, para poder ser reconhecidas, para poder compartilhar, aumentar e desenvolver esses talentos. Essa é uma característica central daquele tipo de inteligência tipicamente humana de que falava Humberto Maturana: uma inteligência que cresce e se realiza com a troca, com o jogo ganha-ganha, com a colaboração. Uma inteligência colaborativa.
Se as pessoas abrem mão de fazer isso em prol da projeção de outras pessoas que estão acima delas na estrutura hierárquica, elas estão renunciando, em alguma medida, a exercer suas qualidades propriamente humanas. O diabo é que os funcionários burocráticos e outros empregados ou prestadores de serviços em organizações hierárquicas já introjetaram tão fundo as idéias que sustentam tais práticas, que o hábito, já não diria de servir, mas de ser serviçal, se instalou no andar de baixo da sua consciência e emerge como uma pulsão. Freqüentemente eles se escondem para promover seus superiores, tendo medo, inclusive, de proferir uma opinião própria em uma reunião, escrever um artigo em um blog, dar uma entrevista ou gravar um vídeo para um meio de comunicação. Essas pessoas até se orgulham de habitar a penumbra e se vestir de cinza, adotando a servidão voluntária e, com isso, violando sua própria humanidade ou, no mínimo, deixando de explorá-la e desenvolvê-la como poderiam.
Alguns fazem isso taticamente (e imaginam que estão agindo conscientemente), em troca do emprego ou da contratação. Argumentam que se não obedecerem e fizerem a vontade dos chefes, perderão a remuneração sem a qual não terão como viver. Mas dá no mesmo. Se, para sobreviver, uma pessoa precisa castrar suas potencialidades, então tal sobrevivência não poderá ser digna. Um trabalho que deixe de promover o desenvolvimento humano de quem trabalha não pode ser digno.
Os chefes, por sua vez - como aquele senhor de escravo, escravo do escravo, a que se referia Hegel, em outros termos - também estão aprisionados neste círculo desumanizante. Estão intoxicados pelas ideologias do comando-e-controle e do liderancismo, segundo as quais se não for assim, as coisas não funcionam. De que alguém tem sempre que liderar - quer dizer, deixando a frescura de lado e traduzindo em bom português: mandar nos outros - para que uma ação possa ser realizada a contento. Por isso não se adaptam à cultura e à prática de rede, onde não é possível mandar alguém fazer alguma coisa contra a sua vontade.
É por isso que organizar as coisas em rede distribuída é um desafio tremendo em um mundo ainda infestado, em grande parte, por organizações hierárquicas.
Quando organizações hierárquicas se interessam por redes, quase sempre esse interesse é instrumental. Querem usar as redes para obter alguma coisa que fortaleça os seus objetivos e a manutenção das suas estruturas... hierárquicas! Seus chefes – e isso quando mais ilustrados – acham que usando as "tecnologias de rede" vão conseguir aumentar sua influência, seu poder ou, quem sabe, suas vendas (daí todo esse súbito interesse cretino pelo tal "marketing viral", de resto uma vigarice).
As organizações hierárquicas - em termos do ser coletivo que se forma, diga-se: não, é claro, das pessoas que as integram - não vêem as redes como fim, como uma nova forma de interação propriamente humana ou humanizada pelo social, e sim como meio para alguma coisa não-humana. Sim, organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos. A afirmação é forte, mas não há como dizer de outro modo se quisermos ir ao coração do problema. Entenda-se bem: as pessoas continuarão sendo humanas, mas o ser coletivo que se forma não será, posto que não será 'social' (naquele especialíssimo sentido que Maturana empresta ao termo).
QUEBRANDO O CÍRCULO VICIOSO DO PODER
Em que medida você tem coragem de desobedecer e arcar com as conseqüências? A resposta a essa pergunta define o seu campo de liberdade e de possibilidade.
Dependendo das circunstâncias, desobedecer pode acarretar demissão, reprovação, agressão, perseguição, condenação, prisão, tortura, mutilação e morte. Você não deve se suicidar. Quando não há condições objetivas para desobedecer (ou seja, quando isso colocar em risco a sua vida ou a vida de terceiros, a sua liberdade ou a liberdade de seus semelhantes) você deve avaliar cuidadosamente os riscos e as possibilidades. Mas nunca deve deixar de desobedecer interiormente. O que importa aqui é sua atitude, vamos dizer assim, espiritual, de desobediência. Não se curve, não se abaixe, não se deixe instrumentalizar, não se conforme em ser mandado, não colabore (voluntariamente) com o poder vertical. Desobedecer é, antes de qualquer coisa, resistir.
Quando você resiste ao poder vertical, você estabelece uma sintonia com as grandes correntes de humanização do mundo. Quando você cede, sujeitando-se a alguém ou sujeitando outras pessoas a você (no fundo, dá no mesmo), contribui para desumanizar o mundo e a você mesmo.
O mais importante é: não faça um pacto com a morte. Sim, toda vez que você vende sua alma, sujeitando-se a alguém ou toda vez que você sente um ímpeto de controlar alguém, é sinal de que uma pulsão de morte está irrompendo na sua vida.
Se organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos, ao obedecer voluntariamente aos chefes, enquadrando-se nas dinâmicas dessas organizações, você está, na verdade, subordinando-se a seres não-humanos.


Notas e referências
(1) MATURANA, Humberto et all. (2009): Ethical matrix of human habitat (texto enviado pelo autor para uma lista de discussão).
(2) SCHMOOKLER, Andrew (1991): “O reconhecimento de nossa cisão interior” in ZWEIG, Connie e ABRAMS, Jeremiah (orgs.). Ao Encontro da Sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São Paulo: Cultrix, 1994.
É sempre bom ler aquele instigante livrinho de David Henry Thoreau: A desobediência civil (1849). E, em seguida, ler o ensaio de Hannah Arendt: “Desobediência civil” in Crises da República (1969).
Sobre obediência (e desobediência), é vital ler a obra de Humberto Maturana, em especial os textos: Lenguaje, emociones y etica en el quehacer politico (1988); El sentido de lo humano (1991); Amor y Juego: fundamentos olvidados de lo humano – desde el Patriarcado a la Democracia (com Gerda Verden-Zöller) (1993); e A democracia é uma obra de arte (s./d.).
Sobre o fetiche das organizações é importantíssimo ler o discurso de Jiddu Krishnamurti: A dissolução da Ordem da Estrela (1929).
Sobre democracia em redes altamente distribuídas (ou pluriarquia), pode-se ler os meus livros Alfabetização Democrática (2007) e Escola de Redes: Novas Visões sobre a Sociedade, o Desenvolvimento, a Internet, a Política e o Mundo Glocalizado (2008). Sobre isso vale a pena ler também meu pequeno artigo: “A lógica da abundância” (2009).
Boa parte dessa literatura está disponível para download free na BIBLI.E=R Biblioteca da Escola-de-Redes:http://escoladeredes.ning.com